terça-feira, 11 de agosto de 2020

MEMÓRIA E ESCRITA: UM OLHAR SOBRE A NARRATIVA MEMORIALÍSTICA DE RAIMUNDO NONATO DA SILVA EM TORNO DA CIDADE DE MOSSORÓ/RN (1957-1983).

 

MEMÓRIA E ESCRITA: UM OLHAR SOBRE A NARRATIVA MEMORIALÍSTICA DE RAIMUNDO NONATO DA SILVA EM TORNO DA CIDADE DE MOSSORÓ/RN (1957-1983).

HÉLIA COSTA MORAIS*

RESUMO

O presente trabalho se propõe analisar o processo de construção da escrita memorialística do intelectual Raimundo Nonato da Silva acerca da cidade de Mossoró-RN. Admitindo que a compreensão desta escrita requer o entendimento dos dispositivos que compõem a memória individual e coletiva e o modo como estas influenciaram na sua narrativa. A sua produção escrita se faz marcada por dimensões afetivas e históricas, fruto da relação estabelecida com os principais grupos de intelectuais do Estado e seus respectivos interesses locais. Instituições como o Instituto Histórico e Geográfico do RN e o Instituto Cultural do Oeste Potiguar, foram responsáveis por nortear muitas de suas concepções e práticas escriturárias, bem como foram influenciadas pelo prestígio destas. A partir da análise das suas obras Memórias de um Retirante (1957) e Evolução urbanística de Mossoró (1983) propomo-nos investigar as construções produzidas através da sua escrita em torno dos espaços e sujeitos da cidade de Mossoró, refletindo o modo como os seus escritos literários e memorialísticos ajudam a construir a história da cidade, bem como a rede de interesses que possibilitaram a sua produção.

Palavras-Chave: Memória. Escrita. Raimundo Nonato da Silva. Mossoró.

Raimundo Nonato da Silva nasceu em 18 de agosto de 1907 na cidade de Martins, estado do Rio Grande do Norte. Filho de um casal de lavradores migrou para a cidade de Mossoró durante a seca de 1919, junto a uma leva de retirantes que rumava em busca de meios de subsistência. Na cidade de Mossoró, foi engraxate, lavador de pratos, varredor de hotel, ajudante de bodega no Mercado Público Municipal, para não citar outras ocupações. Ingressou na Escola Normal, de onde saiu professor em 1925, aos 18 anos de idade. Lecionou e dirigiu grupos escolares em várias cidades. Em 1955, formou-se em Direito pela Faculdade de Alagoas e foi nomeado juiz da comarca de Apodi, em cuja função se aposentou. A partir de 1949 dedicou-se à escrita publicando mais de 80 livros, entre os quais destacam-se obras nos campos do romance, crônica, memória, etnografia, história, folclore, etc.

Sua trajetória intelectual foi marcada pelo engajamento em diversas instituições, como o Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte (IHGRN), a Academia Norte-RioGrandense de Letras (ANL), o Instituto Cultural do Oeste Potiguar (ICOP), além de outras instituições cuja atuação ultrapassa as fronteiras do estado, a exemplo da Federação das Academias de Letras do Brasil, o Instituto Genealógico Brasileiro de São Paulo, a Associação Brasileira de Escritores, o Sindicato dos Jornalistas Liberais da Guanabara e a Sociedade Brasileira de Folclore. Raimundo Nonato mudou-se para o Rio de Janeiro em definitivo no ano de 1961, aonde veio a falecer em 22 de agosto de 1993, aos 86 anos de idade.

A presente investigação histórica se propõe analisar o processo de construção da sua escrita memorialística acerca da cidade de Mossoró. Admitindo que a compreensão da mesma requer o entendimento dos dispositivos que compõem a memória individual e coletiva, averiguando o modo como estas tiveram influência em sua narrativa. A sua produção escrita se faz marcada por dimensões afetivas e históricas, fruto da relação estabelecida com os principais grupos de intelectuais do Estado e seus respectivos interesses locais, responsáveis por nortear muitas de suas concepções e práticas escriturárias, mas que também foram influenciadas pelo prestígio destas. A partir da análise das suas obras Memórias de um Retirante (1957) e Evolução urbanística de Mossoró (1983) propomo-nos investigar as construções produzidas através da sua escrita em torno dos espaços e sujeitos da cidade de Mossoró, refletindo o modo como os seus escritos literários e memorialísticos ajudam a construir a história da cidade, bem como a rede de interesses que possibilitaram a sua produção. A discussão referente à relação entre história e memória, aqui esboçada, se faz necessária devido o presente estudo historiográfico embasar-se na problematização de narrativas literárias, memorialísticas e históricas que são capazes de revelar minúcias quanto aos sujeitos, espaços e costumes alusivos ao passado e que ajudam a reconstruir teias de relacionamentos e experiências compartilhadas com a coletividade de uma época.

A discussão referente à relação entre história e memória, aqui esboçada, se faz necessária devido o presente estudo historiográfico embasar-se na problematização de narrativas literárias, memorialísticas e históricas que são capazes de revelar minúcias quanto aos sujeitos, espaços e costumes alusivos ao passado e que ajudam a reconstruir teias de relacionamentos e experiências compartilhadas com a coletividade de uma época.

A narrativa de Raimundo Nonato, por exemplo, revela inúmeros aspectos quanto ao modo de vida cotidiano dos sujeitos potiguares, desde feirantes e pessoas ilustres que ocupavam o Mercado Público Municipal de Mossoró, aos moleques que percorriam as ruas sujas da cidade. As memórias são apresentadas nos textos através de uma espécie de constituição poética que acaba por penetrar no terreno historiográfico e, como afirma Júlio Pimentel, está “[...] mais interessada nos ritos de conformação do passado do que em sua percepção no momento em que relampeja” (PINTO: 1998: p. 6) ainda que, sempre almeje estabelecer uma dialética entre presente e passado. Cabe ao historiador, imbuído pela perspectiva histórica, operar sob uma base crítica almejando a apreensão dos vestígios do passado, através das memórias que são construídas e reconfiguradas temporalmente

O exercício realizado na tentativa de relacionar o conceito de memória ao de história se justifica pelo fato de as lembranças de Raimundo Nonato não pertencerem exclusivamente a ele, mas à sociedade da qual fez parte, uma vez que sua narrativa fornece informações sobre o contexto sócio-cultural no qual estava inserido. Apesar de seletiva, parcial e passível de manipulação, a memória individual é uma fonte histórica extremamente relevante, pois assim “[...] como todas as atividades humanas, a memória é compartilhada, razão pela qual cada indivíduo tem algo a contribuir para a história social” (PORTELLI, 2001).

Assim, intencionamos problematizar os rastros construídos e legados através da narrativa memorialística de Raimundo Nonato, de modo a perceber como estes contribuíram para as diversas representações em torno da cidade de Mossoró. Atentando ao modo como sua narrativa contribuiu para a historiografia da região e para a construção de uma memória sobre sua gente, seus espaços e relações. Admite-se que os relatos produzidos por ele atuam como agentes que interferem direta ou indiretamente na construção identitária dos sujeitos e lugares presentes nos espaços narrados, numa teia que abriga o tempo, o espaço e o homem

O seu relato evidencia o entendimento de que a partir da memória individual de Raimundo Nonato é possível a apreensão, embora parcial e seletiva, da memória social daquela época. Compreendendo que a identidade social é organizada para além de elementos que evidenciam a percepção de si mesmo, pois esta sofre modificações externas a partir de critérios e negociações estabelecidas, muitas vezes, no contato com outras pessoas. A assertiva de Cascudo não deve ser tomada, contudo, como casual. Entre palavras elogiosas e reconhecimento que se reputa sincero, vão se construindo as teias ou como diria Norbert Elias (2001), as redes de sociabilidades que vão constituir e direcionar as práticas, as identidades e as estratégias de apresentação entre os sujeitos que constroem e legitimam uns aos outros no seio dos seus grupos.3

Nesta obra, Raimundo Nonato promove uma narrativa minuciosa quanto aos lugares, hábitos, sujeitos e contextos vividos compartilhados em vários momentos do passado da cidade de Mossoró e região Oeste Potiguar. Sua escrita abriga vestígios de épocas vividas por muitas pessoas, acabando por despertar o sentimento de identificação aos que leem suas memórias. De modo que esse sentimento se faz tão forte que, muitas vezes, as suas memórias podem interferir no processo de construção identitária dos sujeitos e lugares vinculados aos espaços descritos por ele ao longo de sua narrativa. Identifica-se, portanto, a presença de uma memória social em seus relatos aparentemente individuais.

Sua teia narrativa abriga não somente aspectos e impressões individuais do autor, mas revela singularidades no que concerne às relações sociais, culturais e políticas ali estabelecidas. Ao longo da narrativa que (re)constrói sua caminhada junto a uma leva deretirantes que fugia das asperezas do sertão, durante a seca de 1919, retrata os sujeitos e paisagens com as quais se deparou. Sua rememoração apresenta-se como possível meio de resistência aos prováveis desencantamentos com o contexto no qual ele a escreveu, propiciando a ressacralização de algumas de suas memórias, visto que o processo de invocação ao passado através da memória está ligado à ausência temporal; tanto de um si que não é mais o mesmo, quanto dos outros, diante de um tempo passado, irreversivelmente deixado para trás.

 

Em Evolução urbanística de Mossoró (1983), Raimundo Nonato promove outro tipo de construção narrativa acerca da cidade. Aqui ele não recorre exclusivamente às memórias, mas se reporta a documentos que ajudam a traçar o roteiro da cidade. Transforma sua pesquisa em plantas que ajudam a recompor o itinerário das ruas e sua evolução ao longo do tempo. Esta obra serve como referência a vários pesquisadores que pretendem se deter ao estudo urbanístico da cidade de Mossoró, que conta com um material muito escasso em relação a plantas que reportem à cidade nos tempos passados, não se restringindo a pesquisadores da área de História.Vejamos alguns exemplos, a seguir.

Sendo assim, é preciso ponderar que Raimundo Nonato fazia parte de uma intelectualidade7 que intentava projetar a cidade de Mossoró enquanto centro regional. Essa ideia foi tecida por seus próprios intelectuais, responsáveis por promoverem representações que atestam tal pensamento. Para eles, a “região mossoroense” compreenderia parte da Chapada do Apodi, e esta abrangeria quase todo o estado geograficamente. De modo que sua atribuição como região não foi considerada levando em conta apenas seus aspectos geopolíticos; mas também o que se refere à sua produção cultural, através do desenvolvimento de uma ideia de “cultura mossoroense”, a qual conforme se supunha naquele contexto, seria capaz de “influenciar” os municípios que estavam em seu entorno, que a teriam como um centro regional. Como sugere Albuquerque Jr:

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A escrita memorialística de Raimundo Nonato é mesclada por materialidades e subjetividades. As ruas, os espaços e as pessoas são transformados em memória, de modo que se materializam através da própria escrita. Presenteia-nos com relatos e descrições que permitem investigar e compreender parte do contexto ao qual ele se refere ao desenrolar de suas narrativas, nos fazendo vislumbrar espaços modificados pelo tempo. Sua escrita constrói representações significativas sobre a cidade e região Oeste Potiguar como um todo, de modo a gerar um sentimento de identificação naqueles que leem seus relatos memorialísticos sobre um passado que não mais retorna, mas que curiosamente parece se fazer presente nas suas memórias “paginadas”.

Por conseguinte, as obras aqui analisadas – mesmo que de forma breve – se apresentam como elementos fundamentais à construção e significação identitária em torno do espaço geográfico e sentimental mossoroense. Considerando que remontam períodos distintos da cidade, considerando as suas mudanças ao longo do processo histórico e contribuindo diretamente no processo de construção identitária da cidade e dos sujeitos que se utilizam dos seus espaços.

FONTE - HÉLIA COSTA MORAIS*INTERNET

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RAIMUNDO NONATO DA SILVA

  MARTINS, 18/08/1907 – RIO DE JANEIRO, 22/08/1993 Escritor. Polígrafo, autor de numerosas obras, quase todas de interesse  regional, em...

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